As
perguntas que não querem calar: A população consegue entender o que levou o
segundo vereador mais votado de Sarandi a não ter direito a uma cadeira dentro
da câmara? Caso soubessem disso, como agiriam diante desta possibilidade? A
população sabe o que é coeficiente eleitoral? A população sabe o significado
das siglas partidárias que escolheram para representar sua cidade? A população
sabe que os partidos foram construídos historicamente dentro de uma sociedade
com os imperativos da luta de classe e da ideologia burguesa? Sabem quais as
filosofias que baseiam e norteiam cada partido? A população sabe que a ideia
principal de tudo isso, é justamente que ignorem estes detalhes importantes da
eleição? Afinal de contas, quem são as pessoas que constituem esta população?
Como esta população enxerga o mundo? Como enxergam a política? Como se
relacionam com os fenômenos sociais?
As
inquietações diante do óbvio e da falta de respostas deveriam ser latentes em
cada ser existente dentro da sociedade, no entanto o que temos é uma série de
instrumentos ideológicos para a manutenção deste modelo de sociedade que
concede a outras gerações a responsabilidade de transformar o mundo.
Não
há transformação, quando nos deparamos com leituras longas e difíceis
preteridas em detrimento da indústria do consumo e do entretenimento. Prometi a
mim mesmo que não mais desenvolveria textos almejando esclarecer dentro do raio
de alcance algumas poucas mentes obscuras e já tomadas pelas ideias hegemônicas
burguesas. Contudo, mesmo sabendo que poucos terão a capacidade de fazer as
abstrações necessárias para compreender o meu desatino literário sobre o
processo eleitoral do ultimo dia 7 de outubro e a respeito de todo o contexto
que o permeia, me sinto no dever de mais uma vez tentar explicar esse disparate
social.
O
primeiro ponto a ser destacado é o de compreender o porquê as pessoas ao seu
redor estão descontentes com os resultados da eleição, se foram estas pessoas
que com seus votos teoricamente elegeram este quadro. Afinal de contas, onde se
encontram as pessoas que construíram esse panorama eleitoral? Uma cidade com
mais de 80 mil habitantes, com um eleitorado de 59.410 apurados pelo TSE, com
quase 4 mil entre votos brancos e nulos? Quais são os instrumentos que estão
faltando para que tenhamos clareza sobre o panorama que vem sendo construído na
política nacional? Internet? Educação? Informação? Mas como esses instrumentos
seriam utilizados se eles fossem de acesso a todos? Tenho sérias duvidas quanto
as justificativas a respeito do caos em que nos encontramos neste episódio
grotesco das eleições municipais, principalmente as eleições de Sarandi. Talvez seja um equivoco responsabilizar a
falta de acesso às informações, por que informações são dúbias, são passiveis
de interpretação, e podem ser utilizadas ao bel prazer de quem as toma posse. O
que realmente pode definir como serão utilizadas estas informações é o
esclarecimento, a posse dos conhecimentos burgueses, para então participar das
eleições de um modo disposto a transformar.
“Ocorre
que, na medida em que eles começam a participar, as contradições de interesses
que estavam submersas sob aquele objetivo comum vêm à tona e fazem submergir o
comum; o que sobressai, agora, é a contradição de interesses, ou seja, o
proletariado, o operariado, as camadas dominadas, na medida em que participavam
das eleições, não votavam bem, segundo a perspectiva das camadas dominantes
quer dizer, não escolhiam os melhores; a burguesia acreditava que o povo
instruído iria escolher os melhores governantes. Mas o povo instruído não
estava escolhendo os melhores. Observe-se que não escolhiam os melhores do
ponto de vista dominante” (Saviani, 2000).
A
participação popular deve ser então sabotada de modo que ela não compreenda
essa ação. Para Saviani (2000) o significado político, basicamente, é o
seguinte: é que quando a burguesia acenava com a escola para todos (é por isso
que era instrumento de hegemonia), ela estava num período capaz de expressar os
seus interesses abarcando também os interesses das demais classes. Nesse
sentido advogar escola para todos correspondia ao interesse da burguesia,
porque era importante uma ordem democrática consolidada e, correspondia também
ao interesse do operariado, do proletariado, porque para eles era importante
participar do processo político, participar das decisões. "Ora, então essa escola não está
funcionando bem" foi o raciocínio das elites, das camadas dominantes; e se
essa escola não está funcionando bem, é preciso reformar a escola. Não basta a
quantidade, não adianta dar escola para todo mundo desse jeito. E surgiu a
Escola Nova, que tornou possível, ao mesmo tempo, o aprimoramento do ensino
destinado às elites e o rebaixamento do nível de ensino destinado às camadas
populares. É nesse sentido que a hegemonia pôde ser recomposta. Sobre isso,
haveria coisas interessantíssimas para a gente discutir em relação ao que está
ocorrendo no Brasil, hoje; a contradição da política educacional atual, em que
a proposta de base, referente ao ensino fundamentai, é, a meu modo de ver,
populista, e a proposta de cúpula, em relação à pós-graduação, é elitista.
Assim, chegamos ao segundo ponto, a
hegemonia burguesa que tem como principal objetivo disseminar a ideia de que
não existe desigualdade ou diferenças entre as classes. Desse modo, transfere a
igualdade para educação, para saúde, para justiça, e ao modo de pensar que se
torna equivalente dentre a massa popular. Concomitantemente, a massa visualiza
coisas importantes como as filosofias partidárias como desimportantes, como se
fossem tudo a mesma coisa, como se tivessem os mesmos significados. Hoje é
frequente entre a opinião popular ouvirmos coisas do tipo “eu não voto em
partido”, “eu voto na pessoa”, pois bem, a pessoa em que você vota não esta
descolada de um partido, ela é filiada a um partido e subentende-se que ela
acredita na filosofia deste, bem como, representa os interesses do partido
dentro do poder político. Diante disso, se não há compreensão do que significa
cada sigla partidária, e o que cada um deles defende, estaremos alheios aos
verdadeiros interesses da tomada de poder em nossos municípios. O que temos
atualmente é uma extensão histórica da calhordice humana, que para assumir o
poder, ou mantê-lo, é capaz de disseminar ignorância, e falsas informações a
fim de manipular a opinião popular. A opinião popular manipulada, também é
confundida pela quantidade de informações, e não consegue discernir entre
falsas e verdadeiras, relembrando que o povo não aprendeu a buscar as
informações por conta própria, são passivos, e aguardam que as informações
caiam em suas mãos sem qualquer trabalho. Por isso, acreditam na primeira
mentira que ouvem.
No
Brasil criou-se uma cultura no mínimo estranha chamada coligação partidária. Na
disputa pelo poder vale tudo, até mesmo a união de ideias extremamente opostas
com o mesmo objetivo: conseguir votos dos eleitores desinformados. Mas qual o
objetivo de montar coligações homéricas para disputa das eleições? Antes de qualquer
afirmação sobre as ideologias partidárias, faz-se necessário observar uma lista
dos partidos ativos no país.
Nome do partido
|
Sigla
|
Número eleitoral
|
Data de registro
|
Número de filiados[2]
|
Presidente
|
Ideologia
|
PMDB
|
15
|
2 354 388
|
||||
PTB
|
14
|
1 180 541
|
||||
PDT
|
12
|
1 207 639
|
||||
PT
|
13
|
1 549 261
|
||||
DEM
|
25
|
1 094 593
|
||||
PC do B
|
65
|
337 355
|
||||
PSB
|
40
|
577 233
|
||||
PSDB
|
45
|
1 353 686
|
||||
PTC
|
36
|
172 931
|
||||
PSC
|
20
|
364 664
|
||||
PMN
|
33
|
216 121
|
||||
PRP
|
44
|
214 415
|
||||
PPS
|
23
|
467 199
|
||||
PV
|
43
|
336 017
|
||||
PT do B
|
70
|
159 378
|
||||
PRTB
|
28
|
113 735
|
||||
PP
|
11
|
1 415 620
|
||||
PSTU
|
16
|
13 294
|
||||
PCB
|
21
|
15 937
|
||||
PHS
|
31
|
141 534
|
||||
PSDC
|
27
|
165 609
|
||||
PCO
|
29
|
2 746
|
||||
PTN
|
19
|
126 060
|
||||
PSL
|
17
|
199 112
|
||||
PRB
|
10
|
287 356
|
||||
PSOL
|
50
|
66 043
|
||||
PR
|
22[nota 1]
|
764 375
|
||||
PSD
|
55
|
174 662
|
||||
PPL
|
54
|
16 636
|
||||
PEN
|
51
|
—
|
Ao
observar a tabela anterior com um pouco de atenção, principalmente nas
ideologias partidárias, teremos subsídios para questionar algumas coligações.
No entanto o que temos que ter em mente, é que boa parte dos partidos na
verdade compartilham sim da mesma filosofia, e muitos não assumem verdadeiramente
suas ideias. Ocorre que a homogeneização partidária, origina-se de um único interesse,
ter acesso ao fundo público, e beneficiar os interesses privados. Vejamos o
caso do município de Sarandi: O prefeito eleito Carlos Alberto de Paula, do
Partido Democrático Trabalhista – PDT formou coligação com os seguintes
partidos: PRB/PP/PDT/PMDB/PSC/PPS/DEM/PSDC/PHS/PMN/PSB/PPL/PSD e PCdoB. A
partir disso, voltemos as ideologias de cada partido na tabela supracitada, e
teremos uma miscelânea disparatada de ideologias, como, por exemplo, Centrismo, Fundamentalismo,Sincretismo político de mãos dadas com Esquerda, Socialismo, Comunismo,Marxismo-Leninismo, Progressismo.
Temos ainda o Centrismo, Fundamentalismo
e Democracia Cristã, junto da Esquerda, Nacionalista, Socialista.
Ora, que patacoada é essa? O que pode ter levado partidos com ideologias tão diferentes a se
unirem?
Temos
então o terceiro e ultimo ponto, mas não menos importante. Na sociedade de
classes, a fragmentação do pensamento é uma constante, a fragmentação do
trabalho, da pratica e da teoria, das ideias e da materialidade, com o objetivo
de nos tornar alheios.
A
fragmentação partidária, para a homogeneização mais tarde é a bola da vez. São
os partidos, junto com os interessados em beneficiar-se do fundo publico que
financiam uma campanha. Quanto mais partidos, maior é o montante de dinheiro a
ser gasto na campanha, e maior a quantidade de apoiadores/investidores. Para
tanto, a ideologia do partido torna-se irrelevante e preterida, pois nesse jogo
político, partidos independentes financeiramente, não terão força suficiente
para construir uma grande campanha, e a luta torna-se desigual, ao contrario do
que a classe dominante insiste em pregar, sobre a democracia.
Esse desinteresse generalizado sobre as
ideologias de cada partido por parte da população se dá por meio da descrença
inculcada em relação a política nacional, que reforça a ideia que político é
tudo igual, independe de partido político, e também na desqualificação de
partidos independentes e de esquerda realmente. Partidos como o PT que sempre
tiveram ideias de oposição ao neoliberalismo e elitismo, só conseguiram tomar o
poder quando renderam-se em partes a esse jogo político, construindo alianças
no mínimo duvidosas. Os poucos que permaneceram fiéis à ideologia enfrentam
conflitos internos que prejudicam a consolidação do partido em algumas
situações, como foi o caso de Sarandi. O Vereador Bianco, foi o segundo mais
votado nas ultimas eleições, um candidato do PT que mantém suas convicções de
um partido radicalista em sua essência, engolido pelo sistema.
O
vereador Bianco segundo mais votado em Sarandi não entrou na câmara de vereadores
por conta do coeficiente eleitoral, que a maioria da população desconhece. O
coeficiente eleitoral trata-se de um sistema a fim de promover a democracia e a
heterogeinização na câmara de vereadores. Como? Com o coeficiente eleitoral os
votos direcionados para cada coligação partidária serão decisivos para a
quantidade de cadeiras que este terá direito dentro da câmara, assim por mais votos
que uma coligação obtenha outras coligações também terão a chance de obter uma
quantidade de votos para conseguir pelo menos uma cadeira, assim criando a
possibilidade de termos oposição dentro da câmara de vereadores. O que de fato
acontece, é que com este sistema existe a possibilidade de aumentar a
quantidade de cadeiras de acordo com a quantidade de votos angariados. Assim
surgem as grandes coligações, com pequenos partidos, como foi o caso da
coligação do prefeito eleito Carlos de Paula.
A fim de homogeneizar
a câmara tendo a maioria dos vereadores a seu favor, o PDT conseguiu construir
uma grande coligação que por sua vez disponibilizou uma grande quantidade de
candidatos a vereador, que podem ser considerados as “iscas” de votos. O que
ocorre, é que dentro da coligação já temos os candidatos com forte
possibilidade de se elegerem, assim os subcandidatos vão apenas garantir uma
maior quantidade de votos para que a chance de conseguir o máximo de cadeiras
seja concretizada. Foi assim que o Carlos de Paula conseguiu por dentro da
câmara, vários “capatazes” como Ailton Machado, Cilas Morais, Rafael do Povão,
Nito, Roberto Grava, Nildão, Belmiro Barbeiro, Erasmo da saúde, Adilson e
Nelson Lima. Todos os candidatos a vereador eleitos estão dentro da coligação “A
transformação continua” do Carlos de Paula, então o que era para garantir democracia
foi usado como instrumento para conseguir a centralização do poder. Estes
vereadores serão na verdade facilitadores dos desejos espúrios do atual
prefeito, e não terão absolutamente nenhum impedimento para tanto.
Por conta
do coeficiente eleitoral, um candidato com 756 votos se apossou de uma cadeira
ocupando o lugar de um candidato com 2035 votos, e você ainda tem a pachorra de
dizer que vota na pessoa, e não no partido? Saiba então que votar na pessoa,
muitas vezes não é o suficiente para elegê-la, para isso, é preciso observar
quem são os partidos que compõem uma grande coligação, e automaticamente descartá-los,
por que partidos que coligam com outros partidos de ideologias diferentes na
verdade não tem uma ideologia consolidada, e muito menos preocupam-se
verdadeiramente com as questões profundas que assolam a nossa sociedade, estes
são oportunistas, e pretendem reproduzir e manter a sociedade tal qual ela se
constitui, fragmentada, e classista, desigual e assistencialista.
Claro
que não podemos delegar aos torpes desinformados o exercício autônomo da
cidadania, se temos uma desinformação generalizada e intencional. A eles cabem
buscar outros meios, cabem aprender a ouvir, e a acreditar depois de fazer os
devidos questionamentos e reflexões. Cabem a eles iniciar leituras
alternativas, e terminarem essas leituras, e interpretá-las. Sair do senso
comum exige um esforço desumano para a classe explorada, mas é obrigatório, é
essencial. Não se podem culpar os pobres por não saberem votar, ou por
desconhecerem os tramites deste fenômeno democrático, afinal de contas não são
só eles que legitimam o fio condutor da reprodução social. Também temos uma
classe média idiotizada, e com um sério problema cognitivo em um processo falso
de ascensão social, o que os torna interesseiros, covardes, imediatistas e
traiçoeiros, e estes não reproduzem somente pela desinformação, mas pela
cretinice de buscarem na corrupção, na falta de caráter, a possibilidade de
beneficiar-se do poder publico das formas mais escusas. A soma de uma classe
média idiotizada, de uma classe miserável desinformada e facilmente comprada, e
de uma burguesia conservadora, resulta na vitória da manutenção do capital, na
reprodução do sistema econômico de desigualdades, na continuação das relações
fragmentadas, equivocadas e distorcidas.
Rodrigo Eduardo dos Santos
SAVIANI,
Dermeval. Escola e Democracia: teorias da educação, curvatura da
vara, onze teses sobre educação e política. 33.ª ed. revisada. Campinas:
Autores Associados, 2000.
WIKIPÉDIA,
a enciclopédia livre. Anexo: Lista de partidos políticos no Brasil. Endereço eletrônico: http://pt.wikipedia.org/wiki/Anexo:Lista_de_partidos_pol%C3%ADticos_no_Brasil.
Acesso em 15/10/2012.
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