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quinta-feira, 14 de abril de 2011

Nenhuma escola é uma ilha

É exatamente isso que eu RODRIGO gostaria de ter escrito, entretanto, alguém com mais argumentos, sensibilidade e inteligência tratou de deixar de lado essa comoção de senso comum, que é o estado bestificado que a maioria da população fica diante de tragédias, com aquela cara de: "O que é mesmo que se passa?" , superlotam seus Orkuts, facebooks e Twitters com homenagens, lutos, e mais um bando de 'chororô' que nunca sai da estaca zero. Vamos sair da estaca zero? Vamos ler um texto grande e importante?
 por Ana Flávia C. Ramos, em Tabnarede
Tragédias como a ocorrida na Escola Municipal Tasso da Silveira, no Rio de Janeiro, sempre provocam grande comoção pública, indignação e, obviamente, tristeza pelas muitas crianças perdidas no atentado. Além desses sentimentos, tais fatos provocam também um grande tsunami de “especialistas”, mobilizados em velocidade estonteante pela mídia, para dar laudos e explicações quase matemáticas sobre as motivações do assassino. O atirador Wellington Menezes de Oliveira, segundo as informações desses “cientistas da tragédia” (que variam de “criminólogos” a policiais militares), era tímido, solitário, filho adotivo, “usuário” constante do computador (a “droga” dos tempos modernos segundo os “analistas”), ateu, islâmico, fanático, fundamentalista, portador do vírus da AIDS e, provavelmente, vítima de bullying na escola.
Certamente não há como contestar que todo ato humano, e por isso histórico, se explica a partir da análise de uma cadeia de relações complexas. Como digo aos alunos, nada tem resposta simples e direta. Entretanto, o tipo de questão levantada para entender o terrível ato de Wellington Menezes de Oliveira diz muito mais sobre nós mesmos do que sobre ele. Todos os nossos preconceitos estão embutidos nessas respostas. De fato, não sabemos, e talvez nunca saibamos, por que exatamente ele atirou contra cada uma das crianças (em sua maioria meninas), assim como não sabemos sobre as reais motivações dos muitos atentados como esse, ocorridos em países como Estados Unidos e Dinamarca. Mesmo depois de tudo o que se discutiu, ainda é difícil, por exemplo, explicar Columbine (abril de 1999).
Uma das coisas que mais tem me chamado a atenção é a recorrência da explicação que elege o bullying escolar como um dos fatores que podem desencadear esse tipo de ato violento. A explicação não é nova, Columbine é prova disso. Há mais de dez anos atrás, dois meninos entram em uma escola, de capa preta (quase como em um filme hollywoodiano) e atiram em seus colegas. “Especialistas”, gringos agora, se apressam em dizer as razões: divórcio nas famílias, videogames, filmes violentos, Marilyn Manson, porte de armas facilitado e, como não poderia faltar, bullying na escola.
É inegável que o bullying é uma realidade. É indiscutível que ele é extremamente nocivo e doloroso aos alunos que sofrem com ele. É evidente que há urgência em iniciar um debate para saber como sanar o problema. Mas a pergunta que fica é: o que de fato é o bullying? Ele é um sinal (histórico) de que? E ainda mais: ele é um problema restrito à escola? Por que os alunos são tão cruéis com seus colegas?
Michael Moore, cineasta norte-americano explosivo, tentou dar a sua interpretação para o atentado de Columbine com o documentário Bowling for Columbine (2002).  Moore, ao invés de repetir os clichês da mídia, foi implacável na destruição do senso comum das justificativas moralistas para o evento. Item por item, desde a desagregação da família, Manson, até a polêmica questão do porte de armas foram desconstruídos em sua narrativa. O foco centrou-se em respostas muito mais interessantes, localizadas não nos dois jovens assassinos, mas na sociedade americana. O imperialismo militarista dos Estados Unidos, a ação violenta em outros países, a política do medo (incentivada pelo Estado e pela grande mídia), que reforça e superestima dados sobre a violência urbana, sobre o fim de mundo, e, principalmente, a intolerância com todo tipo de diferença. Racismo, preconceito, homofobia, conflitos religiosos e luta de classes são só alguns dos ingredientes do caldeirão de ódios em que se transformou a sociedade americana.
Como crescer no Colorado, na “livre” América, e não ser conspurcado por esses valores? Como não idolatrar armas e achar que elas são um meio prático de solucionar problemas? Como viver imune a uma sociedade individualista, capitalista, que divide os seus cidadãos o tempo todo em “winners” e “losers”? E mais ainda, como não se deixar levar por uma sociedade que até hoje não consegue lidar com a diferença entre brancos e negros? Uma sociedade que até os anos 1960 não oferecia direitos, oportunidades e tratamentos iguais a todos os seus cidadãos, tem o que para oferecer ao pensamento dos estudantes? Os americanos, ainda hoje, estão preparados para o respeito à diferença? A relação que eles mantêm com os muçulmanos diz muito. Definitivamente a liberdade e o respeito ainda não se transformaram em uma unanimidade por lá.
É claro que mesmo Moore não chega a dar respostas definitivas sobre a questão. E mais ainda: é evidente que ele considera a forma pela qual a instituição ESCOLA trata seus alunos (hierarquias e classificações hostis), ignorando muitas vezes o bullying, tem sua responsabilidade no massacre. Assim como é nítido que a venda facilitada de armas e munição são coadjuvantes importantes da história. Mas Moore foi corajoso ao lançar em cada um dos americanos a responsabilidade da tragédia e discutir aquilo que ninguém teve coragem (ou má fé) de fazer. Nem a mídia, nem o governo, nem a sociedade. É preciso encarar os “monstros”, com franqueza, e não apenas “satanizar” o ambiente escolar, para dar algum significado para esses eventos.
Ontem no Terra Magazine o antropólogo Roberto Albergaria afirmou que a mídia e a sociedade brasileira desejavam o impossível: explicações para um “desvario sem significado”. Segundo ele, o que Wellington Menezes praticou foi o que os estudos franceses chamam de “violência pós-moderna”, caracterizada por uma ruptura irracional, sem explicação. De fato, talvez tenha sido um “ato irracional”, fruto de um momento de insanidade. Mas acredito que esse tipo de resposta não nos ajuda a resolver coisas importantes sobre nós mesmos. A tragédia no Realengo, a meu ver, pode e deve ser início de um debate importante sobre a nossa sociedade.
A tragédia na escola do Rio de Janeiro acontece num contexto bastante relevante. Em outubro de 2009, Geyse Arruda foi hostilizada por seus colegas de faculdade porque, segundo eles, ela não sabia se vestir de modo “apropriado” para freqüentar as aulas. Em junho de 2010, Bruno, goleiro do Flamengo, é suspeito de matar a ex-namorada, Elisa Samudio, por não querer pagar pensão ao filho. Suposta garota de programa, Samudio foi hostilizada na opinião de muitos brasileiros. Após rompimento, Mizael Bispo, inconformado, mata sua ex-namorada Mércia Nakashima em maio de 2010. Em novembro de 2010, grupos de jovens agridem homossexuais na Avenida Paulista, enquanto Mayara Petruso incita o assassinato de nordestinos pelo Twitter. E mais recentemente, em cadeia nacional, Jair Bolsonaro faz discurso de ódio contra homossexuais e negros. Tudo isso instigado e complementado pelo discurso intolerante, preconceituoso, conservador e mentiroso do candidato José Serra à presidência da República. A mídia? Estava ao lado de Serra, corroborando em suas artimanhas, reforçando preconceitos contra Dilma, contra as mulheres e contra os tantos mais “adversários” do candidato tucano.
Wellington matou mais meninas na escola carioca. Se, por um lado, jamais saberemos as reais razões que o fizeram agir dessa forma, por outro sabemos o quanto a sociedade brasileira tem sido, no mínimo, indulgente com atos de intolerância, machismo, ódio e preconceito contra mulheres, negros e homossexuais. Se não há uma ligação direta entre esses diversos acontecimentos, eles pelo menos nos fazem pensar o quanto vale a vida de alguém em um contexto de tantos ódios? Quantas mulheres morrerão hoje vítimas do machismo? Quantos gays sofreram violência física? Quantos negros sentirão declaradamente o ódio racial que impregna o nosso país? O que é o bullying se não o prolongamento para a escola desse tipo de mentalidade? Quantas pessoas apoiaram as declarações de ódio de Bolsonaro via Facebook? Aquilo que acontece no ambiente escolar nada mais é do que um microcosmo do que a sociedade elege como valores primordiais. E o Brasil, que por tanto tempo negou a “pecha” de racista e preconceituoso, vê sua máscara cair.
Não adianta culpar o bullying, achando que ele é um problema de jovens, um problema das escolas. Não adiante grades e detectores de metal nas entradas ou a proibição da venda de armas. Como professora, sei que o que os alunos reproduzem em sala nada mais é do que ouviram da boca de seus pais ou na mídia. Não adianta pedir paz e tolerância no colégio enquanto a mídia e a sociedade fazem outra coisa. Na escola, o problema do bullying é tratado como algo independente da realidade política, econômica e social do país. Mas dá pra separar tudo isso? Dá pra colocar a questão só em “valores” dos adolescentes, da influência do malvado do computador ou dos videogames? Ou é suficiente chamar o ato de Wellington de uma “violência pós-moderna” sem explicação? Das muitas agressões cotidianas, a da escola do Realengo é apenas uma demonstração da potencialidade de nossos ódios. A única coisa que me pergunto é: teremos a coragem de fazer esse tipo de discussão?
Ana Flávia C. Ramos é professora, historiadora pela Unicamp


quarta-feira, 13 de abril de 2011

IMAGINE

Imagine só, se as chuvas fossem ácidas, se rios e lagos fossem poluídos, se os homens fossem tão embrutecidos, violentos, distraídos. Imagine só, se os homens fossem dignos de indiferença, imagine só se houvessem imprudências, Imagine só se existisse a miséria, gente pobre caída pelas ruas, passando frio e fome, Imagine só, se o Deus fosse o Deus da guerra e da destruição, se houvessem diferenças, e discriminação, imagine só.  Imagine só, se houvessem as desigualdades, minorias que não se fazem presentes na sociedade, imaginem só, se os gays fossem mortos nas ruas, se os negros fossem abordados como bandidos condenados ao cárcere privado do racismo algoz dos brancos puritanos, quase virgens e insanos. Imagine só, se existissem prostitutas com seus corpos tão desnudos, vendendo alma e corpo pra comer um pouco, ou pra manter somente a luxuria dos seus gostos. Imagine só, se fossemos coniventes com tantas mortes, se desejássemos o poder, como seria? Imagine só, se o dinheiro fosse o fruto de tanto ódio, e de tanto prazer. Imagine só se acreditássemos em diferentes padres e pastores, políticos e doutores. Imagine só se houvessem classes diferentes, a dos pobres indigentes, e a dos ricos competentes. Imagine só como seria, trabalhar todos os dias, sem horário pra voltar. Imagine só como seria produzir riquezas para outrem, e nunca poder usufruir. Imagine só como seria, ter aposentadoria em seu leito de morte, depois de tanta luta e pouca sorte. Imagine só, se existisse um padrão de família e paradigmas tão fortes quanto nossos próprios desejos, a ponto de nos crucificarmos por isso. Imagine só se as pessoas fossem tão egoístas a ponto de não se preocuparem com as desgraças alheias, imagine só se houvessem crianças nas ruas, fumando e roubando, imagine se o transito fosse um local de ódio e liberação de fúria. Imagine se houvessem igrejas pregando fé em troca dos seus bens materiais. Imagine só se a maioria das pessoas detestasse política, e elegesse personagens do humor pastelão como forma de protesto. Imagine só se fossem eleitos deputados pró ditadura, pró preconceito, pró racismo para nos representar. Imagine só ricos e pobres ocupando o mesmo espaço, desejando as mesmas mercadorias. Imagine só se fossemos tão vulneráveis a mídia estratégica e manipuladora. Imagine só se as geleiras estivessem descongelando, se os terremotos estivessem destruindo vidas, chuvas devastando tudo e todos. Imagine só. Agora imagine só se isso tudo fosse verdade, que a crueldade e estupidez humana fossem real, como seria?

terça-feira, 5 de abril de 2011

UM ABISMO, ALGUNS ENTULHOS, E UM CAFÉ BEM AMARGO.



Não, nada dura para sempre. Nem os bons, nem os maus momentos, o que ficam são apenas memórias, traumas, lembranças, sabores, saudades, que podem perdurar por um longo tempo, período, espaço, após a abrupta rachadura no solo firme, mas que o tempo insiste em amenizar, esmaecer dentro do arquivo de imagens de tudo aquilo que um dia fez parte do nosso ser. Quando digo nosso, refiro-me impreterivelmente a relação que os amigos, amores, constroem em conjunto, e desgastam isoladamente, a cada dia, com um entulho diferente, que para alguns talvez torne-se uma montanha de entulhos como obstáculo irreversível, a princípio. Quando nos assentamos à beira do abismo em pleno por do sol, eu de um lado e você de outro, percebemos o quão vemos as mesmas coisas, o sol é o mesmo, o fundo do abismo é o mesmo, o horizonte é o mesmo, o que muda é a distância inevitável entre nós, inatingível, inalcançável. Esta inclinação que nos põe em pontos opostos, já teve seus dias de solo plano, seguro, e confortável, e até chegamos a acreditar que tremores não seriam capazes da precipitação inevitável e quase antinatural da qual nos sucumbimos, não tão alegres assim, pois resguardamos numa caixinha de jóias, as nossas fotos de quando éramos felizes, os nossos “eu te amo” ainda se encontram espalhados por ai para quem quiser ver, e todos vêem, e não compreendem que findou-se numa bela e longa erosão, abismo, vácuo, aquela velha e nova relação de fraternidade que veio das profundezas das afinidades humanas, aquelas que parecem te ligar ao ser humano distinto, como se fosse um irmão de sangue. É impossível apagar aquilo que foi importante na tua vida, mas é possível tornar tudo aquilo uma doce lembrança, basta ter a sensatez de ir para o outro lado do abismo, antes que os conflitos derrubem alguém de lá, mesmo o lado sendo o mesmo. E foi nesse viés que se deu e que se dá qualquer tipo de relação, onde mais de uma pessoa estão inseridas, os conflitos são quase que um brinde, é como tomar um café amargo, e sentir na garganta aquele arranhado quente, mas conflitos partem do principio de que a realidade é composta por contradições, e se constitui de um movimento espiral, assim são as relações humanas, elas tendem a não se dar de forma tão objetiva e racional, então ser amigo, ou ter amigos é como um mal necessário, sabe-se que a qualquer momento alguma dor vai surgir, sabe-se de uma perda, de uma decepção, de um desencontro, de um desentendimento, de um ou mais desacordos, mas nada disso é o suficiente para impedir que se construa uma amizade, verdadeira ou não, fundamentada ou não, alicerçada ou não, infinita ou não, por que não dá pra prever o desenrolar desse tipo de relação, afinal, só nos relacionamos com pessoas das quais nos identificamos, e que se identificam verdadeiramente conosco, isso se dá no que tange as características constituintes do ser humano, que se assemelham entre si, vendo uns nos outros, são capazes de praticar a alteridade com indivíduos específicos, estes que são infracionáveis e sendo assim, cada amigo que desejamos que faça parte de nossa história, parte, de uma necessidade de que seja uma amizade interminável, é o que todos querem, é como casar, ninguém casa pensando em separar(só as vezes), e  nesse sentido percebemos que mesmo assim os casais separam-se, por que as condições materiais, a dada realidade vai interferindo nos ideais, nas práticas, nas atitudes, e isso só é possível enxergar quando se aprofunda numa relação, ou seja, quando se é realmente um amigo, que se vê com freqüência, que se tem mil assuntos para tratar, onde a intimidade ganha proporções imensas, a probabilidade dos conflitos ficarem em relevo aumentam, então os entulhos aumentam, então o abismo aumenta, e nessa turbulenta movimentação de diferentes sentimentos, nós, autores de nossas próprias relações, é que temos o papel de decidir como lidar com o processo de distanciamento de idéias, de preferências, de assuntos, e o que nos cabe, é terminar aquilo que te fez tanto sentido, e ainda se mantêm gravado nos álbuns de fotografia, com o mínimo de respeito, e nesse sentido, o abismo pode ser a melhor forma, por que, por mais que estejamos incomunicáveis um com o outro, ainda posso te ver, e saber que esta bem, mesmo a distancia impedindo o diálogo, ainda olho para ti, com os mesmos olhos, com a mesma importância, que não se apaga, independente de qualquer entulho entre nós. Assim, respondo, que não, nada dura para sempre da forma exata como ela é, mas dura o suficiente para saber que é preciso mudanças para não deixar que o que passou se vá em direção ao vazio, onde nada se guarda, e tudo se transforma em lixo. E somente por saber disso, que às vezes, a minha escolha é manter esse abismo, esse entulho, e esse gosto amargo de café na boca, por que só assim eu ainda consigo relembrar saudosista nos retratos tirados, nos encontros marcados, nos desejos ousados, o quanto fomos felizes.


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