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terça-feira, 31 de março de 2015

SÃO MUITOS DIREITOS HUMANOS!


O problema na sociedade atual, é o excesso de direitos.
Nunca se falou tanto em racismo,
Nunca se falou tanto em machismo,
Nunca se falou tanto em homofobia e transfobia,
Nunca se falou tanto em índios,
Nunca se falou tanto em gente sem-terra e sem teto,
Nunca se falou tanto em bullying,
Nunca se falou tanto em direitos da criança e do adolescente,
Nunca se falou tanto de deficientes físicos e mentais,
Nunca houveram tantas feministas,
Nunca houveram tantos gays fora do armário,
Nunca houveram tantos negros mobilizados por direitos,
Nunca se falou tanto sobre a aceitação das diferenças na escola,
Nunca foi proibido fazer piada com o gordinho da escola,
Nunca deficientes ficaram tão presentes e visíveis na sociedade.
É muita inclusão! É muita igualdade!
É hora de parar!
Na verdade, é hora de ignorar todos esses direitos, relega-los, deixar de se beneficiar deles, fingir que eles nunca existiram, e dessa forma também esquecer todos aqueles que lutaram ou morreram para que eles existissem hoje, mesmo que não plenamente.
Não é hora de se importar com Rosa Luxemburgo, Simone de Beauvoir, Maria Lacerda de Moura, Deolinda Daltro, dentre tantas outras mulheres que ajudaram na construção dos direitos conquistados. A partir de hoje, mulheres não tem mais o direito ao voto, não tem direito a salário igual ao dos homens, na verdade não devem nem trabalhar, devem ficar cuidando dos afazeres domésticos, preocupadas com a criação dos vários filhos, não precisa de educação sistematizada, caso trabalhem deverão cumprir 14 horas de trabalho, sem direito a licença maternidade, não poderão participar das competições esportivas, não poderão participar da política, e perder esses direitos me parece muito justo, afinal de contas, quem acha que tem direitos demais, não merece ter direito algum.
Não é hora de se importar com Zumbi, Aqualtune, Acotirene, Dandara, Martin Luther King, John Tompson, dentre outros negros que lutaram pela construção dos direitos conquistados. A partir de hoje os negros devem voltar para as senzalas, não tem mais direito à liberdade, e estão subjugados aos brancos, devem trabalhar durante 16 horas diárias na lavoura de seus donos, sem ter direito a salário, ao término do dia do trabalho devem ser acorrentados dentro de senzalas, como castigo por não suportarem o regime de escravidão deverão ser açoitados em um tronco. Negros poderão ser comercializados, traficados desde o nascimento. Negros não terão direito a educação, a moradia, a voto, a participar da política, negros deverão ficar no lugar de onde nunca deveriam ter saído, do tronco, das senzalas, servindo aos brancos. E perder esses direitos me parece muito justo, afinal de contas, quem acha que tem direitos demais, não merece ter direito algum.
Não é hora de se importar com Harvey Milk (Ativista político LGBT assassinado), Dayane Ramos dos Santos (Lésbica Assassinada), João Donati (Gay assassinado), Cristal (Trans assassinada), dentre outros que morreram pelo simples fato de serem lésbicas, gays ou trans. A partir de hoje os lgbts devem retornar para os seus armários, para o ostracismo, devem ser representados somente como estereótipos caricatos, podem ser uma forma de ofensa, podem servir de piadas nas escolas, não devem ter direitos civis garantidos aos héteros, podem ser espancados, assassinados, ofendidos, podem ser demonizados nas igrejas, podem ser agredidos com lâmpadas, devem ser submetidos a curas, a tratamentos de choque, podem ser lançados de altos edifícios, não podem demonstrar afeto em público, não devem ser representados seriamente em nenhuma mídia, devem ser marginalizados, devem ficar calados, devem fazer o possível para não ser o que são, devem fingir, devem se heteronormatizar para serem aceitos, não devem se casar, não devem formar famílias, adotar filhos. E não ter esses direitos me parece muito justo, afinal de contas, quem acha que tem direitos demais, não merece ter direito algum.
Não é hora de se importar com todos os índios que aqui estavam antes de qualquer colonização, e mesmo assim tiveram que lutar para não serem escravizados, e até hoje não conseguem garantir sua existência frente a grande pressão e violência dos latifundiários, donos de terras, políticos entre outros. Decrete-se logo a extinção dos índios, que eles sejam reduzidos a ilustração de livros de história, ou que sejam evangelizados, urbanizados, higienizados, extirpados de sua cultura e urbanizados. E não ter esses direitos me parece muito justo, afinal de contas, quem acha que tem direitos demais, não merece ter direito algum.
Não é hora de se importar com Chico Mendes, Doroty Stang, entre outros que lutaram contra o desmatamento, pela reforma agrária, pelo fim da exploração, pelo direito dos trabalhadores rurais, contra os grandes latifundiários. A partir de agora a terra é única e exclusiva daqueles que são herdeiros de quem se apossou de terras por meio da bala, pequenos produtores, homens e mulheres sem-terra, e sem teto não devem requerer esse direito, por que nós ainda vivemos nos tempos da lei do mais forte, de quem tem a arma, de quem tem influencias, de quem explora a terra para lucros astronômicos, para quem usa terras como especulação imobiliária. E não ter esses direitos me parece muito justo, afinal de contas, quem acha que tem direitos demais, não merece ter direito algum.
Não é hora de se importar com a diversidade nas escolas, com os traumas, com a crueldade. A partir de agora tudo e todos que forem diferentes dos padrões de normalidade estereotipados devem ser atacados, humilhados, marginalizados, espancados, ofendidos, e nenhuma atitude por parte dos professores e diretores devem ser tomadas, são apenas piadas, e ser politicamente correto é muito chato para quem está dentro dos padrões e adora demonstrar poder do alto de seus privilégios históricos. E não ter direito de reclamar me parece muito justo, afinal de contas, quem acha que tem direitos demais, não merece ter direito algum.
Não é hora de se importar com as crianças e adolescentes, nem com a exploração do trabalho infantil, nem com falta de políticas públicas, nem com abusos, nem com processo de formação. A partir de agora crianças e adolescentes devem ser tratados feito adultos formados, mesmo não tendo formação devem cumprir os mesmos deveres, devem trabalhar ao invés de estudar, não é prioridade estudar, podem começar no trabalho já aos quatro anos de idade, que é para aprender como a vida é, devem ser punidos como os adultos, devem ser colocados dentro do mesmo sistema carcerário falido que os adultos frequentam, independente das oportunidades que essas crianças e adolescentes tiveram, eles obviamente tinham várias opções de crescerem meninos de bem, meninos e meninas honrados, prontos para alcançarem o mesmo sucesso de meninos e meninas de classe média alta conseguem morando em seus apartamentos, estudando em escolas particulares, fazendo várias viagens, se não tiverem é simplesmente por que não querem. Ao invés de políticas públicas para resgatar os jovens, políticos devem votar leis que reduzam a maioridade penal, quanto antes preto e pobre ser tirado de circulação, melhor. E não ter esses direitos me parece muito justo, afinal de contas, quem acha que tem direitos demais, não merece ter direito algum.
E por fim, não é hora de se importar com todos os deficientes que morreram sem nunca serem apresentados a sociedade, por vergonha, por serem marginalizados, demonizados, que por anos passaram escondidos, sem usufruir dos mesmos direitos. A partir de agora acabemos com as APAES, com as políticas de inclusão e de acessibilidade, que os deficientes voltem para seus quartos fechados, escondidos, abandonados, sem direito a estudar, sem direito a socializar, sem direito a viver. E não ter esses direitos me parece muito justo, afinal de contas, quem acha que tem direitos demais, não merece ter direito algum.
Os direitos humanos está atrapalhando o direito do opressor, o direito do agressor, o direito do preconceituoso, o direito do privilegiado, o direito do machista, o direito do latifundiário, o direito dos heteronormativos, o direito do sinhozinho, o direito do dono da propriedade privada e dos meios de produção, o direito dos patrões, o direito pelo discurso de ódio, o direito aos espancamentos, aos assassinatos, aos extermínios, as chibatadas. Os direitos humanos estão acabando com a supremacia branca, heterossexual, patriarcal, monogâmica, misógina, poderosa, elitista que foi conquistada a muito custo, muito suor, e muito sangue, de quem nunca deveria ter direitos.

São direitos humanos demais!

E eu quero ainda mais!

sexta-feira, 6 de março de 2015

Estado de Demência Coletivo


Ontem, marquei como de costume, horário no salão de cabeleireiro, corto o cabelo mensalmente no mesmo lugar, e essa ação corriqueira estabelece para mim um estado de normalidade.
Como de costume, me desloquei ao trabalho, executei minhas tarefas de rotina, preparei aulas, realizei o horário de café, confraternizei com amigos de trabalho, e tudo isso caracteriza um estado de normalidade.
Dia desses, estive na fila do banco, mensalmente de alguma maneira alguma fila tem que ser enfrentada para efetivar o pagamento das contas, e tudo isso reflete um estado de normalidade.
Semanalmente abasteço minha moto, meio de locomoção para trabalhar, e para diversas atividades diárias, vou até o posto de gasolina, peço que complete, e tudo isso corrobora com um estado de normalidade.
Na atualidade, verificamos diariamente, e-mails, notificações de aplicativos, como Facebook, WhatsApp, entre outros, que nos servem como meio de comunicação e meio de informação, e tudo isso simboliza diante da conjuntura, um estado de normalidade.
Faz parte deste estado de normalidade enfrentar filas em supermercados, encontrar pessoas e ouvir conversas.
O país há tempos estabeleceu-se como democracia representativa, e a cada 4 anos a população tem de eleger um representante, este modelo político dentro daquilo que está estabelecido demonstra um estado de normalidade.
Existe pelo mundo a fora, uma porção de guerras intermináveis, das quais não conseguimos ter qualquer compreensão da totalidade, e isso, configura um estado de normalidade.
Sabemos que uma porcentagem mínima da população concentra toda a riqueza do mundo, e que por mais que se madrugue diariamente para trabalhar honestamente, jamais se fará parte dessa porcentagem, e isso faz parte da normalidade.
Sabemos que a educação nunca foi vista como investimento, e sempre esteve a serviço da ideologia dominante, e quanto mais ignorante a população, mais fácil o controle da massa, mas isso, define um estado de normalidade.
Produtos e marcas são humanizadas e ganham mais importância que o próprio homem, o homem é coisificado, se torna um produto pronto a ser consumido, há tempos isso traduz-se em estado de normalidade.
As mulheres ainda são assassinadas e estupradas pelo simples fato de serem mulheres, e isto estabelece um estado de normalidade.
Os negros jogadores de futebol no século 21 são chamados de macacos como forma de “brincadeira”, mas isso tudo reforça este estado de normalidade.
Gays e travestis são mortos, expulsos de casa, marginalizados, viram piadas em programas de TV, simplesmente para certificar-se do não rompimento com o estado de normalidade.
Terreiros, religiões afro-brasileiras são marginalizadas e atacadas pelo lobby dos fundamentalistas religiosos, sempre mantendo este estado de normalidade.
Os cristãos/evangélicos em pleno século 21 buscam evangelizar os índios, matar a diversidade cultural, e este é o estado da normalidade.
Poucas Famílias são donas de terras infinitas, pastos infinitos, gados infinitos, eucaliptos infinitos, enquanto milhares de famílias sequer tem onde morar, e quando se amontoam em algum lugar, o poder público efetivamente trata de restabelecer a reintegração de posse, e enquanto a isso, nada fora de um estado de normalidade.
A TV nos diz o que temos que vestir, o que temos que comer, como devemos agir, quais ideias devemos seguir, e mesmo sabendo que TVs são empresas, e que empresas são pagas, e que só quem tem muito dinheiro pode dizer o que a TV pode dizer, continuamos a acreditar inquestionavelmente no que a grande mídia tem a nos dizer, e isso só reafirma, tudo está no seu perfeito estado de normalidade.
Sabemos que a democracia representativa sempre foi um alívio aos que se enojam dos assuntos políticos, dos que sentem asco de entrar nesse tipo de discussão. Poder dar a procuração a outra pessoa para decidir tudo que há de mais importante em nossas vidas não é nada mais que um estado pleno de normalidade.
Pessoas dispostas a defender o sistema capitalista, como se fosse um sistema enviado direto dos anjos gabrieis depois do toque da corneta divina, sem sequer saber da sua origem e da sua evolução, configura ainda um estado de normalidade.
Apoiar-se na ideia dos EUA enquanto herói do planeta, bem como se retrata nos filmes de Hollywood, compreende-se como estado de normalidade.
Ignorar a linha histórica, o passado, os fatos que desencadearam a atualidade como ela é hoje, emblematicamente solidifica este estado de normalidade.
Este estado de normalidade entra em colapso toda vez que surge no horizonte numa visão desfocada, a possibilidade da compreensão de que o estado de normalidade, não é de fato a realidade concreta. Todas as vezes que o estado de normalidade se encontra ameaçado ele reproduz milhares de realidades, e assim conserva a sua essência.
Em síntese, aquela fila de banco, aquela fila de supermercado, aquele horário no cabelereiro, aquela confraternização com os amigos de trabalho no horário do café que não passava de um simples “será que chove?” em seu estado de normalidade, transfigura-se e torna-se desde corrupção na Petrobras, até golpe comunista via corrente de WhatsApp. O estado de normalidade para se manter enquanto tal, precisa de um colapso, uma espécie de Estado de demência.
Este estado de demência em suma se dissolve no imaginário social anteriormente já estático e apático do estado de normalidade reverberando numa espécie de movimento massificado sem direção. Um monstro desorientado, que encontra mormente orientação de seu criador, o Frankenstein do status quo.
Este monstro em suas crises epiléticas pede impeachment, pede intervenção militar, pede intervenção dos EUA. Este monstro em suas crises dissemina boatos de guerras civis, compartilha terror, aterroriza-se a si próprio. Este monstro muito bem orientado, tem arrepios com tudo que possa simbolizar o fim do imperialismo e do colonialismo. Este monstro subserviente ao capital sofre das suas mazelas em estado de normalidade, contudo em seu estado de demência pegaria em armas para defende-lo. Este monstro escarnecido, habita a pele dos mais vitimados pelo sistema, este monstro costurado feito tapete de retalhos é um amontoado de todo tipo de gente, o estado de demência não perdoa, não se comove, percorre as mentes mais brilhantes das ciências exatas, até os mais desprovidos de conhecimento, diga-se de passagem, desprovidos por que assim o sistema quer.
Em estado de demência, formam-se filas gigantescas diante do “fim da gasolina”.
Em estado de demência, enchem-se carrinhos no supermercado.
Em estado de demência promete-se uma multidão as ruas pelo impeachment de uma presidente que acabou de ser eleita democraticamente dentro dos conceitos de democracia que o sistema permite.
Em estado de demência, mandar-se-ia comunistas, socialistas e anticapitalistas para o corredor da morte.
Em estado de demência, dia do orgulho heterossexual, redução da maioridade penal, e revogação da lei de desarmamento, alimentam o monstro.
Em estado de demência, a militarização de grupos evangélicos, e a formação de “gladiadores do altar”, matam a sede do monstro.
Em estado de demência, não se sabe se o estado de normalidade pode ser considerado um monstro adormecido, sempre disposto  a servir quando solicitado, ou se enquanto estado de demência pode ser a possibilidade de uma catarse rumo a revolução.

Mas por enquanto, só estado demência, e nada mais.

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