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sexta-feira, 6 de março de 2015

Estado de Demência Coletivo


Ontem, marquei como de costume, horário no salão de cabeleireiro, corto o cabelo mensalmente no mesmo lugar, e essa ação corriqueira estabelece para mim um estado de normalidade.
Como de costume, me desloquei ao trabalho, executei minhas tarefas de rotina, preparei aulas, realizei o horário de café, confraternizei com amigos de trabalho, e tudo isso caracteriza um estado de normalidade.
Dia desses, estive na fila do banco, mensalmente de alguma maneira alguma fila tem que ser enfrentada para efetivar o pagamento das contas, e tudo isso reflete um estado de normalidade.
Semanalmente abasteço minha moto, meio de locomoção para trabalhar, e para diversas atividades diárias, vou até o posto de gasolina, peço que complete, e tudo isso corrobora com um estado de normalidade.
Na atualidade, verificamos diariamente, e-mails, notificações de aplicativos, como Facebook, WhatsApp, entre outros, que nos servem como meio de comunicação e meio de informação, e tudo isso simboliza diante da conjuntura, um estado de normalidade.
Faz parte deste estado de normalidade enfrentar filas em supermercados, encontrar pessoas e ouvir conversas.
O país há tempos estabeleceu-se como democracia representativa, e a cada 4 anos a população tem de eleger um representante, este modelo político dentro daquilo que está estabelecido demonstra um estado de normalidade.
Existe pelo mundo a fora, uma porção de guerras intermináveis, das quais não conseguimos ter qualquer compreensão da totalidade, e isso, configura um estado de normalidade.
Sabemos que uma porcentagem mínima da população concentra toda a riqueza do mundo, e que por mais que se madrugue diariamente para trabalhar honestamente, jamais se fará parte dessa porcentagem, e isso faz parte da normalidade.
Sabemos que a educação nunca foi vista como investimento, e sempre esteve a serviço da ideologia dominante, e quanto mais ignorante a população, mais fácil o controle da massa, mas isso, define um estado de normalidade.
Produtos e marcas são humanizadas e ganham mais importância que o próprio homem, o homem é coisificado, se torna um produto pronto a ser consumido, há tempos isso traduz-se em estado de normalidade.
As mulheres ainda são assassinadas e estupradas pelo simples fato de serem mulheres, e isto estabelece um estado de normalidade.
Os negros jogadores de futebol no século 21 são chamados de macacos como forma de “brincadeira”, mas isso tudo reforça este estado de normalidade.
Gays e travestis são mortos, expulsos de casa, marginalizados, viram piadas em programas de TV, simplesmente para certificar-se do não rompimento com o estado de normalidade.
Terreiros, religiões afro-brasileiras são marginalizadas e atacadas pelo lobby dos fundamentalistas religiosos, sempre mantendo este estado de normalidade.
Os cristãos/evangélicos em pleno século 21 buscam evangelizar os índios, matar a diversidade cultural, e este é o estado da normalidade.
Poucas Famílias são donas de terras infinitas, pastos infinitos, gados infinitos, eucaliptos infinitos, enquanto milhares de famílias sequer tem onde morar, e quando se amontoam em algum lugar, o poder público efetivamente trata de restabelecer a reintegração de posse, e enquanto a isso, nada fora de um estado de normalidade.
A TV nos diz o que temos que vestir, o que temos que comer, como devemos agir, quais ideias devemos seguir, e mesmo sabendo que TVs são empresas, e que empresas são pagas, e que só quem tem muito dinheiro pode dizer o que a TV pode dizer, continuamos a acreditar inquestionavelmente no que a grande mídia tem a nos dizer, e isso só reafirma, tudo está no seu perfeito estado de normalidade.
Sabemos que a democracia representativa sempre foi um alívio aos que se enojam dos assuntos políticos, dos que sentem asco de entrar nesse tipo de discussão. Poder dar a procuração a outra pessoa para decidir tudo que há de mais importante em nossas vidas não é nada mais que um estado pleno de normalidade.
Pessoas dispostas a defender o sistema capitalista, como se fosse um sistema enviado direto dos anjos gabrieis depois do toque da corneta divina, sem sequer saber da sua origem e da sua evolução, configura ainda um estado de normalidade.
Apoiar-se na ideia dos EUA enquanto herói do planeta, bem como se retrata nos filmes de Hollywood, compreende-se como estado de normalidade.
Ignorar a linha histórica, o passado, os fatos que desencadearam a atualidade como ela é hoje, emblematicamente solidifica este estado de normalidade.
Este estado de normalidade entra em colapso toda vez que surge no horizonte numa visão desfocada, a possibilidade da compreensão de que o estado de normalidade, não é de fato a realidade concreta. Todas as vezes que o estado de normalidade se encontra ameaçado ele reproduz milhares de realidades, e assim conserva a sua essência.
Em síntese, aquela fila de banco, aquela fila de supermercado, aquele horário no cabelereiro, aquela confraternização com os amigos de trabalho no horário do café que não passava de um simples “será que chove?” em seu estado de normalidade, transfigura-se e torna-se desde corrupção na Petrobras, até golpe comunista via corrente de WhatsApp. O estado de normalidade para se manter enquanto tal, precisa de um colapso, uma espécie de Estado de demência.
Este estado de demência em suma se dissolve no imaginário social anteriormente já estático e apático do estado de normalidade reverberando numa espécie de movimento massificado sem direção. Um monstro desorientado, que encontra mormente orientação de seu criador, o Frankenstein do status quo.
Este monstro em suas crises epiléticas pede impeachment, pede intervenção militar, pede intervenção dos EUA. Este monstro em suas crises dissemina boatos de guerras civis, compartilha terror, aterroriza-se a si próprio. Este monstro muito bem orientado, tem arrepios com tudo que possa simbolizar o fim do imperialismo e do colonialismo. Este monstro subserviente ao capital sofre das suas mazelas em estado de normalidade, contudo em seu estado de demência pegaria em armas para defende-lo. Este monstro escarnecido, habita a pele dos mais vitimados pelo sistema, este monstro costurado feito tapete de retalhos é um amontoado de todo tipo de gente, o estado de demência não perdoa, não se comove, percorre as mentes mais brilhantes das ciências exatas, até os mais desprovidos de conhecimento, diga-se de passagem, desprovidos por que assim o sistema quer.
Em estado de demência, formam-se filas gigantescas diante do “fim da gasolina”.
Em estado de demência, enchem-se carrinhos no supermercado.
Em estado de demência promete-se uma multidão as ruas pelo impeachment de uma presidente que acabou de ser eleita democraticamente dentro dos conceitos de democracia que o sistema permite.
Em estado de demência, mandar-se-ia comunistas, socialistas e anticapitalistas para o corredor da morte.
Em estado de demência, dia do orgulho heterossexual, redução da maioridade penal, e revogação da lei de desarmamento, alimentam o monstro.
Em estado de demência, a militarização de grupos evangélicos, e a formação de “gladiadores do altar”, matam a sede do monstro.
Em estado de demência, não se sabe se o estado de normalidade pode ser considerado um monstro adormecido, sempre disposto  a servir quando solicitado, ou se enquanto estado de demência pode ser a possibilidade de uma catarse rumo a revolução.

Mas por enquanto, só estado demência, e nada mais.

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