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domingo, 27 de abril de 2014

Uma pedra, um abismo.



Já passou algum tempo, desde a ultima vez que me vi, e hoje não me reconheço entre as relações, e já não me reconheço nas linhas escritas. Estranho que por um período as mesmas linhas definiam meus traços e afagavam meus infortúnios, como um colo de mãe, como um ombro amigo.
Hoje compartilho comigo mesmo pensamentos difusos e embaralhados, que me lembram somente aquilo que já foi, mas não delineiam uma espécie de futuro real, concreto. O hoje é uma pedra enorme a beira de um abismo que se equilibra quase que contrariando as leis da física. Pesada demais pra sair do lugar, insegura demais para se deixar cair na imensidão.
Se deixar cair, ou manter-se inanimado são questões estruturantes no que tange a auto percepção, um olhar a si mesmo de fora do corpo, sem ser notado. Perceber-se enquanto protagonista de sua própria história, torna-se frustrante, quando a normalidade cerceia as possibilidades, tornando o todo uma pilha de estilhaços, impossíveis de voltarem a ser, aquilo que já foram.
Ser o inteiro que eu sinto como diria “O teatro Mágico” exigiria não só de mim, mas de todo o resto. E todo o resto está tão despreparado quanto eu, pra compreender a totalidade. A realidade esta sendo compreendida de modo fragmentado, numa série de factoides confusos, misturado com um emaranhado de informações, opiniões e visões de mundo distorcidas pelo modelo social construído historicamente.
Parafraseando novamente “O teatro mágico”, o que eu tenho feito pra tentar ser ouvido, é justamente não dizer nada, é deixar um pouco do silêncio dizer por mim, “Pra dizer às vezes, que às vezes não digo”. Mas a maioria já perdeu qualquer sensibilidade de ler o outro, de estudar e compreender o outro, e de certa forma, essa insensibilidade vem me contagiando, como uma doença feroz que toma todo corpo, que afeta a alma, que corrompe o coração.
O que reflete no outro é o egoísmo exacerbado, um desejo insano de autoafirmação recorrente em todos os meios. Todos estão esperando sua vez de expor fatidicamente suas neuroses, suas crises, seus devaneios, em contrapartida se recusam previamente a ouvir tudo aquilo que não seja sobre si mesmo.
Esse conjunto de incompatibilidades com o resto do mundo me fixa ainda mais a beira do abismo, e inerte, sinto o frio na barriga a cada vento que sopra me empurrando em direção ao nada. O nada pode ser tanta coisa, como pode ser coisa alguma. Mas ao olhar para trás, o lado oposto do abismo, o ponto estável do passado uma espécie de náusea me tonteia, me deixa sem norte, e me faz ter cada vez menos desejo de falar.

No entanto, como diria Milton Nascimento “Estou só e não resisto, muito tenho pra falar”, e todo esse falar vem inflando no peito, seguido do medo e do desejo de voltar. Calar todas as angustias e todos os anseios, quando já se calam tantas outras confusões, é como um injeção letal, uma morte silenciosa, uma morte esperada, sem enterro nem nada.

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