Sob os canteiros coloridos e as árvores robustas da cidade canção, prolifera-se uma planta inóspita. Uma erva daninha arrojada, moderna, de traços retilíneos, de temperatura gélida, erva em forma de concreto, ela cativa pela altura estonteante, derruba com golpe rasteiro a compreensão sobre a beleza. É como uma mulata que pinta os cabelos de loiro, ou a loira que pinta os cabelos de preto, é a perda da identidade e da referência, que passa despercebida aos olhos de quem acredita na falácia do desenvolvimento urbano, por meio da construção acelerada de prédios, centros comerciais, shoppings, luxuosos condomínios residenciais, faculdades privadas, hipermercados, tudo isso sob a égide do consumismo exacerbado, que se reverbera numa concepção destorcida do que uma cidade realmente precisa para ser considerada desenvolvida.
Entendo, desconfiado, os defensores deste desenvolvimento urbano proposto pelo governo pepista, por estarem imersos numa ignorância dos fatos, como eles são em sua raiz, concebendo a beleza a partir das ideias já vendidas pela ideologia dominante, os famosos padrões estéticos, pautados numa beleza duvidosa e pouco inteligente. Via de fato, é claro que todos querem desfrutar da beleza do lar, do conforto, de novas tecnologias, de tudo aquilo que o homem é capaz de produzir. O que deve ser questionado, em primeiro lugar, é se todos podem fazer usufruto destes bens, e em segundo lugar, qual o limite entre produzir o conforto e beleza, e destruir tudo isso, usando do mesmo discurso?
Quando alguns abnegados encaram o protesto contra a reforma da catedral, ou a construção do túnel na UEM, como uma perseguição política, ou como falta do que fazer, o que fica explicito, é a profunda incapacidade de questionar a realidade, além dos códigos explícitos. Há de se interpretar este texto que a realidade nos apresenta, buscando justamente compreender aquilo que não vem estampado, e que de fato, não há intenção em ser visto. Assim, quando questionamos o modo como se conduziu os procedimentos para a reforma da catedral, voltamos os olhos a impulsividade quase doentia de se atravessar um túnel dentro da UEM, e na memória resgatamos uma série de outros eventos, que fazem um delineamento daquilo que vai constituir a continuidade desse método autoritário e aburguesado de governar. Entre estes eventos, a derrubada da antiga rodoviária, com o simples propósito de construir um estacionamento, a cidade sendo planejada para fluidez no transito, e pedestres cada vez mais sem opções de circulação segura, ciclistas então, invisibilizados completamente.
“Por fora bela viola, por dentro, pão bolorento”, definiria as ações políticas investidas pelo governo pepista. O que de fato há, é a construção de uma imagem, produzindo uma ideia de pertencimento na população, assim, atordoados, vestem a camisa, e regam a erva daninha, para suas próprias agruras. Uma bela catedral, rodeada de espelhos d’água fotografada em época natalina, entre fogos de artifício, e as luzes decorativas, criam esta sensação de fazer parte de algo grandioso, de sentir-se orgulhoso de morar nessa cidade, te faz acreditar ter o direito de dizer ao mundo sobre as belezas do lugar em que você vive, mesmo, vendo a catedral de longe, de alguma das periferias, com canteiros nem tão floridos, com arvores nem tão robustas, com ruas nem tão limpas, com pontos de ônibus nem tão sofisticados, com arvores nem tão decoradas, com casas nem tão bonitas. A lógica é essa, centralizar as benfeitorias e criar a sensação de que todos estão sendo beneficiados. O centro da cidade vizinha à cidade canção, coincidentemente, governada por um pepista, segue o mesmo rumo, a avenida central, perdeu qualquer resquício de árvore, para calçadas e postes. Qualquer imbecil que por ali passe, enxerga o progresso, o desenvolvimento urbano. Este imbecil que vos fala, não compreende como este retrocesso pode ter chegado com essa nova roupagem, sem sequer ser notado.
Esse desvio de foco proposital, que nos faz preocupar-se com questões estéticas do município, escamoteia a não preocupação com questões que deveriam ser resolvidas definitivamente, antes ou junto a qualquer embelezamento falseado da cidade, como educação e saúde, sem banalizações. Não estou falando de merenda, nem de uniforme escolar, por que se a preocupação for essa, continuemos cultuando a bela catedral e sua magnitude, ou ainda os megalomaníacos projetos de centro cívico, ou túnel da UEM. Estou falando de se aprofundar nas verdadeiras mazelas, que nos colocam em classes diferentes, e que de fato mudariam a estrutura social, estou falando de dignidade, de liberdade e de igualdade, sem utopia, me refiro a ações concretas, não do concreto espalhado literalmente substituindo a capacidade intelectual da população, mas de ações efetivas, reais, sobre a realidade, que transcendam os espelhos d’água.
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Pedras na janela