Corria de fronte ao vento num percurso retilíneo e incerto, para o fim. Eu quero que os carros, o sol, as pessoas, as folhas das árvores quero que parem lentamente, paulatinamente, quero sentir o gosto amargo do sangue nos lábios, sentir uma nuvem nos olhos, o anel rolando ladeira a baixo, o tênis fora dos pés, os livros pelo chão e o corpo num frisson gélido. Quero sentir o mundo girando lentamente, como se o tempo tivesse parado ali, pra prestigiar minha última cena. Quero mesmo caído, respirando com dificuldades, olhar ao redor e perceber todos se aproximando desesperados, mas como em filme, como num efeito de cinema, devagar, pouco a pouco. Quero que toda minha vida passe em meus olhos, cheios de lágrimas, ansioso para o fim. Eu quero uma música, de melodia suave, clássica, com uma voz amena, dormente, que vá me deixando fora de mim, que tire meus sentidos sem que eu note, quero meus olhos abertos e trêmulos até o fim, quero virar o rosto pro lado e ver os destroços, toda a lataria e a fumaça negra cobrindo ao longe a última cena, eu quero uma pequena dor, pra entender que acabou, e quero chorar arrependido por tudo que deixei para trás. Eu quero o sol queimando pela última vez minha pele, escaldante no asfalto, quero no fim de tarde, no último por do sol, quero olhar os rostos curiosos, desconhecidos e desesperados, quero ver os carros parando, sentir meu coração aos poucos me deixando ao longe, como quem se despede pela última vez, quero estar olhando pro céu, quero ele azul, sem nuvens. Eu quero as vozes desconhecidas se misturando, e quero que me venha à mente as vozes amáveis, saudosas, e que pouco a pouco somente a música ganhe volume, quero sentir dentro de mim a melodia me levando pro último dia de sonho, eu quero a brisa sobre meus olhos, e minha pele rasgada em vermelho, eu quero assim, que o tempo pare, sem linha divisora, como um leve e suave sono, sem corpo sem nada.
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