Jessé seu menino bobo, de sobrancelhas caídas, de sonhos descabidos. Por que preza tanto pela verdade?
Jessé, era filho de Maria, tinha herdado da tia, da mãe e da avó, o caráter, o rancor, e aquele jeito desengonçado de andar. Jessé tinha medo de mudanças, medo de coisas novas, mas compreendia que num movimento desvairado, a vida não poderia estar sempre no mesmo lugar, mesmo assim ele sofria. Jessé não sabia o que queria, pouco sabia da vida, mas sabia que devia continuar. Muito embora, Jessé em certos momentos quisesse fugir, sair numa viagem longa, rodando o mundo, conhecendo pessoas novas, sem data pra voltar, desabrochando a saudade no peito de quem ali ficar. Jessé não era pro trabalho, ele era da arte, da música, do amor e do conflito. Fadado ao inconformismo, sorria sem graça, quando lhe diziam: “Relaxa Jessé, que a vida é assim como é!”. Ele não poderia acreditar que o mal da vida era sentar, esperar, e aceitar os paradigmas, as verdades que existiam antes mesmo dele nascer. Jessé corria a tarde toda em busca de algo que não sabia bem o que era. Jessé já venderá sorvete, já entregará panfletos de supermercado, já recolheu papel, alumínio e ferro pelas ruas, antes de saber que o trabalho do modo que esta, não traz prazer de verdade. Jessé tinha um semblante raivoso, um olhar agressivo, mas no fundo um menino arredio, com medo de tudo, pequeno inseguro. Jessé de pouco contato, crente nos atos e nas pessoas, procurava sempre expor o que pensa, pena o menino sincero não saber que as verdades são desconcertantes acidentes de preciosidades irrecuperáveis. Jessé no café da manhã, por costume, dobrava uma banda de pão francês, encharcava no chocolate quente, assistindo desenhos batidos, se divergindo da “adulteza” futura. Era criança pois, e deveria agir como tal. Jessé era conhecido também pelo coração sensível, e por estar sempre disposto a ajudar os outros. Jessé se apegava muito aquilo que considerava essencial. Daí o amor por uma velha xícara, presente de sua mãe, de uns dois anos atrás. Cuidava daquela xícara como se fosse sua companheira, uma amiga confidente. A xícara retribuía toda manhã, mas nem parecia, pois de objeto imóvel, inanimado que era, só mesmo na cabeça fantasiosa de Jessé, isso poderia ser real. Durante dois longos anos a xícara acompanhou Jessé pra cima e pra baixo, ela sabia tudo dele, até os segredos mais obscuros, que no fundo eram bem clarinhos, afinal Jessé ainda era jovem demais para tantos segredos. Um dia voltando da escola Jessé notou uma pequena rachadura na lateral de sua xícara, correu a gritar, onde tem cola pra concertar, colava daqui, colava dali, tentando dar jeito naquilo que não dá. Com muito carinho, colocou a xícara no devido lugar. Passou mais um tempo, a xícara rachada em outro lugar, Jessé muito triste, vendo aquilo, naquele objeto que de tanto gostar, ganhou em seu mundo nome e lugar, se dobrou a chorar.
A xícara frágil, já não era mais digna de confiança, mas Jessé insistia em usar. Na manhã de domingo, num breve sorriso, para não chorar, Jessé descuidado, ao pegar o açúcar, esbarrou levemente na xícara velha, que num sopro suave saltou-se ao chão. Incrível, o tombo trágico, só dividiu a xícara em dois pedaços, a asa e o corpo. Um inseto pousou sobre o leite derramado, e no ímpeto desesperado, Jessé danou a chorar. Tua Mãe, tua Avó, tua Tia, daquilo pouco entendia, Jessé não sabia explicar. Correu com a cola de novo, na tentativa da xícara ressuscitar. Agora por toda manhã Jessé com todo cuidado não sabe como lidar, com tanta fragilidade, daquilo que durante tanto tempo o fez seguro, o fez sorrir. Segurava uma mão no corpo, outra na asa, mas o corpo na alta temperatura queimava seus dedos curtos e sensíveis, e a xícara na mesa tinha que voltar. A velha xícara não era mais como antes, e por mais cola que pusesse, não traria de volta aquele jeito peculiar que um dia brilhou no olhar. Jessé cresceu, virou um rapazote bonito por dentro, as espinhas e o cabelo vão incomodar, mas herdeiro de sempre leva consigo o velho brilho no olhar, era seu aniversário, chegava em casa do trabalho, adentrou e logo viu, em laço de fita vermelha um copo de cristal, sobre ele um cartão de sua mãe: “ Xícaras e copos de cristais, quando quebrados nunca voltam a ser o que eram antes. A diferença da falta, e da saudade é o tempo que cada um teve em sua vida”.
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