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terça-feira, 15 de junho de 2010

Descartando o descartável

Crónicas Marcianas
Montevideo Enero 2006
(Tradução Espanhola – Português: Michelle Behar – Correção da tradução lingüística e adaptação de texto: Celito Medeiros)


Com certeza, o destino esta tramando para me complicar a vida. Não consigo acomodar meu corpo aos novos tempos. Ou por dizer melhor: Não consigo acomodar meu corpo a esse “use e jogue fora”, nem ao “descartável”. Eu sei, se eu tiver que pedir a um psiquiatra para me medicar, então estou frito e estarei ‘nas mãos dele’! O que acontece é que não consigo andar pelo mundo jogando fora as coisas ou trocando-as pelo modelo seguinte somente porque alguém pensou em adicionar uma função ou faze-lo menor.


Não faz tanto tempo, minha mulher e eu lavávamos as fraldas das crianças, as pendurávamos no varal; passávamos, dobrávamos e as preparávamos para elas voltarem a sujar. E eles, nossos nenéns, mal cresceram e tiveram os próprios filhos, começaram a jogar tudo fora, incluindo as fraldas. Entregaram-se inescrupulosamente ao descartável, nem sempre ao melhor.


Sim, eu sei. Para a nossa geração sempre foi difícil jogar fora. Nem o lixo nos parecia descartável! E assim passamos a vida guardando papel de bala no bolso e as tampinhas nas gavetas. Nossas irmãs e namoradas se viravam como podiam em guardar algodão para enfrentar a sua fertilidade mês a mês. 


Não, eu não digo que era melhor. O que digo é que em algum momento fiquei distraído, cai do mundo, e agora não sei por onde entrar. 


O mais provável é que o de agora esta bem…, não discuto. O que acontece é que não consigo mudar o aparelho de som a cada ano, o celular a cada três meses e o monitor pela ultima novidade. 


Guardo os copos descartáveis! Lavo as luvas de borracha feitas para serem usadas uma única vez! Empilho como um velho as bandejinhas de isopor dos frios! Os talheres descartáveis convivem lado a lado com os de prata! 


É que eu venho de um tempo em que as coisas eram compradas para a vida toda. Mais ainda, eram para a vida dos que vinham depois! A gente herdava relógios de parede, jogos de taças, toalhas de mesa e até tigelas de uso diário. 


Estão nos complicando!
E eu descobri, eles fazem de propósito! Tudo se estraga, tudo enferruja, tudo gasta ou quebra ao pouco tempo para que tenhamos que troca-lo. 


Nada é consertado. Onde andam os sapateiros que trocavam as meia solas dos nossos sapatos? Alguém tem visto os afiadores passando pelas casas? Quem arruma as facas elétricas? O afiador ou o eletricista? Será que o ferro velho esta cheio de Tefal? Tudo é jogado fora, e enquanto isso produzimos mais e mais lixo. 


Outro dia eu li que temos produzido mais lixo nos últimos 40 anos que em toda a historia da humanidade! Quem tiver menos de 40 anos, não vai acreditar nisto. Mas quando eu era criança pela minha casa não passava o lixeiro. Eu juro! E tenho menos de 50 anos. Todos os detritos orgânicos iam para as galinhas, patos ou coelhos (e não estou falando do século XVIII).


Não existia o plástico nem o nylon. A borracha era só para os pneus dos automóveis. Os poucos detritos que não eram comidos pelos animais, eram queimados ou serviam como adubo. 


É dai que eu venho. E não que tenha sido melhor. É que não é fácil para um cara coitado como eu que foi educado para “guardar tudo que algum dia pode servir” a mudar para “compre e jogue fora que já vem modelo novo”.


Minha cabeça não agüenta tanto. Agora meus parentes e os filhos dos meus amigos, não só trocam de celular uma vez por semana, como, além disso, trocam de numero, de endereço eletrônico e ate de endereço real. Eu fui preparado para viver com o mesmo numero, a mesma mulher, a mesma casa e o mesmo nome (e era um nome a zelar).


Fui educado para guardar tudo. Tudo! O que servia e o que não. Porque algum dia as coisas poderiam servir. Sim, eu sei, tivemos um grande problema: nunca nos explicaram que coisas podiam servir e que coisas não. No empenho de guardar (porque a gente obedecia) guardávamos até o primeiro cachinho, o primeiro dentinho…, os cadernos da escola, e não sei como não guardamos até o primeiro chiclete.


Como quer alguém que a gente de desfaça do celular aos poucos meses de ter comprado? Será que as coisas se conseguem facilmente e não se dá o valor, viram descartáveis com a mesma facilidade com que as conseguimos? Em casa tínhamos um móvel com quatro gavetas. A primeira era para as toalhas de mesa e panos de prato, a segunda para os talheres e a terceira e quarta gavetas eram para tudo o que não fosse nem toalha nem talher. Guardávamos tudo, e como guardávamos!


Guardávamos até as tampinhas de refrigerante. Para que? Fazíamos com elas tapetes de limpar calçados na entrada de casa, pregados numa tábua. Dobradas e enfiadas no fio, serviam de cortinas para os bares. Tudo a gente guardava! Os botões que caiam das camisas, os carretéis sem fio, as canetas que algum dia podíamos precisar, canetas sem tampa, tampas sem caneta. Tudo na terceira e quarta gaveta. 


Isqueiros sem gás ou que perdiam a mola. Molas que perdiam seu isqueiro. Em quanto isso, o mundo espremia o cérebro para inventar isqueiros que se jogam fora quando acabe seu uso. E as lâminas Gillette, até pela metade, serviam como apontadores durante todo o ano escolar. Nossas gavetas guardavam chavinhas para abrir latas de patê, no caso que alguma delas viesse sem a chave. 


E as pilhas! As pilhas passavam do congelador ao teto, porque não sabíamos se devíamos dar calor ou frio para aumentar um pouco sua carga. Não podíamos nos resignar que tivesse acabado sua vida útil, não podíamos acreditar que algo vivesse menos que um jasmim. 


As coisas não eram descartáveis, eram guardáveis! Os jornais serviam para tudo! Para fazer calço no sapato, para jogar nos dias de chuva, e principalmente para embrulhar as coisas. Quantas vezes ficamos sabendo das coisas lendo jornal que embrulhava as compras.


Guardávamos o papel laminado dos chocolates e cigarros para fazer enfeites de Natal. As paginas das folhas do ano passado para fazer quadros, e os ‘conta-gotas’ dos remédios no caso que algum viesse sem conta-gotas. E os fósforos usados para poder acender a boca do fogão com a outra que estava acessa. Os maços de baralho eram guardados mesmo faltando algumas. Sempre era possível usar um coringa com um escrito à mão dizendo: Este vale um sete de copas. Às vezes era guardada a metade do pregador, esperando a outra metade para virar um pregador completo.


Eu não sei o que acontecia, mas era difícil declarar a morte dos nossos objetos. Assim como as nossas gerações decidem ‘matá-los’, assim que eles deixam de servir. Aqueles tempos não eram de declarar nada morto, nem ao Walt Disney. 


E quando tomávamos sorvetes em taças, cuja tampa virava base, era falado: Tome o sorvete e jogue a taça fora. Imagina se a gente ia jogar! Iam direto para a prateleira junto com os copos e as xícaras. As latas de ervilhas e pêssegos serviam como vasos de flor e as primeiras garrafas plásticas de água, como enfeites de gosto duvidoso. As caixas de ovos serviam para depósito de aquarelas, as tampas em cinzeiros, e as primeiras latas de cerveja, em porta lápis. As rolhas esperavam uma garrafa que servisse. 


Estou me segurando para não fazer um paralelo com os valores descartáveis e os que preservamos. Não vou fazer isto. Seguro-me para não falar que hoje, não só os eletrodomésticos são descartáveis, que também o casamento e até a amizade é descartável. Mas não vou comparar objetos com pessoas. Seguro-me para não falar da identidade que vai se perdendo, da memória coletiva que vai sendo jogada fora, do passado efêmero. 


Não vou fazer isso! Não vou misturar os temas, não vou falar que o perene virou caduco e o caduco virou perene. Não vou falar que os velhos é que declaram a morte assim que as suas funções começam a falhar, e que os conjugues podem ser mudados por modelos mais novos. E que, se a alguma pessoa falta-lhe uma função, não tem mais valor, é discriminada e se dá valor ao mais lindo e glamuroso. Não, esta é só uma historia de fraldas e celulares. 


Do contrario, se misturarmos as coisas, teríamos que pensar seriamente em entregar a esposa como parte de pagamento por uma senhorita com menos quilômetros rodados e alguma nova função. Mas, eu sou devagar neste mundo, e até corro o risco de que minha esposa ganhe de mim, e seja eu o trocado. Não devemos ser conservadores com relação às tecnologias, mas também não podemos ser destruidores do que tanto nos poderia ajudar na economia de nossos tempos. Estamos à mercê dos modismos, do que nos ditam ser a verdade ou o melhor para nós próprios? O quê ganhamos e o quê perdemos com tudo isto?
Eu… Eu não me entrego!

Marciano Durán

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