O problema na sociedade atual, é o excesso de direitos.
Nunca se falou tanto em racismo,
Nunca se falou tanto em
machismo,
Nunca se falou tanto em
homofobia e transfobia,
Nunca se falou tanto em
índios,
Nunca se falou tanto em gente sem-terra
e sem teto,
Nunca se falou tanto em
bullying,
Nunca se falou tanto em
direitos da criança e do adolescente,
Nunca se falou tanto de deficientes
físicos e mentais,
Nunca houveram tantas
feministas,
Nunca houveram tantos gays
fora do armário,
Nunca houveram tantos negros
mobilizados por direitos,
Nunca se falou tanto sobre a
aceitação das diferenças na escola,
Nunca foi proibido fazer piada
com o gordinho da escola,
Nunca deficientes ficaram tão
presentes e visíveis na sociedade.
É muita inclusão! É muita
igualdade!
É hora de parar!
Na verdade, é hora de ignorar
todos esses direitos, relega-los, deixar de se beneficiar deles, fingir que
eles nunca existiram, e dessa forma também esquecer todos aqueles que lutaram
ou morreram para que eles existissem hoje, mesmo que não plenamente.
Não é hora de se importar com Rosa
Luxemburgo, Simone de Beauvoir, Maria Lacerda de Moura, Deolinda Daltro, dentre
tantas outras mulheres que ajudaram na construção dos direitos conquistados. A
partir de hoje, mulheres não tem mais o direito ao voto, não tem direito a
salário igual ao dos homens, na verdade não devem nem trabalhar, devem ficar
cuidando dos afazeres domésticos, preocupadas com a criação dos vários filhos,
não precisa de educação sistematizada, caso trabalhem deverão cumprir 14 horas
de trabalho, sem direito a licença maternidade, não poderão participar das
competições esportivas, não poderão participar da política, e perder esses
direitos me parece muito justo, afinal de contas, quem acha que tem direitos
demais, não merece ter direito algum.
Não é hora de se importar com Zumbi, Aqualtune, Acotirene, Dandara, Martin Luther King, John
Tompson, dentre
outros negros que lutaram pela construção dos direitos conquistados. A partir
de hoje os negros devem voltar para as senzalas, não tem mais direito à
liberdade, e estão subjugados aos brancos, devem trabalhar durante 16 horas
diárias na lavoura de seus donos, sem ter direito a salário, ao término do dia
do trabalho devem ser acorrentados dentro de senzalas, como castigo por não
suportarem o regime de escravidão deverão ser açoitados em um tronco. Negros
poderão ser comercializados, traficados desde o nascimento. Negros não terão
direito a educação, a moradia, a voto, a participar da política, negros deverão
ficar no lugar de onde nunca deveriam ter saído, do tronco, das senzalas,
servindo aos brancos. E perder esses direitos me parece muito justo, afinal de
contas, quem acha que tem direitos demais, não merece ter direito algum.
Não é hora de se importar com Harvey Milk (Ativista político
LGBT assassinado), Dayane Ramos dos Santos (Lésbica
Assassinada), João Donati (Gay assassinado), Cristal (Trans assassinada),
dentre outros que morreram pelo simples fato de serem lésbicas, gays ou trans.
A partir de hoje os lgbts devem retornar para os seus armários, para o
ostracismo, devem ser representados somente como estereótipos caricatos, podem
ser uma forma de ofensa, podem servir de piadas nas escolas, não devem ter direitos
civis garantidos aos héteros, podem ser espancados, assassinados, ofendidos,
podem ser demonizados nas igrejas, podem ser agredidos com lâmpadas, devem ser
submetidos a curas, a tratamentos de choque, podem ser lançados de altos
edifícios, não podem demonstrar afeto em público, não devem ser representados
seriamente em nenhuma mídia, devem ser marginalizados, devem ficar calados,
devem fazer o possível para não ser o que são, devem fingir, devem se
heteronormatizar para serem aceitos, não devem se casar, não devem formar
famílias, adotar filhos. E não ter esses direitos me parece muito justo, afinal de
contas, quem acha que tem direitos demais, não merece ter direito algum.
Não é hora de se importar com todos os índios que
aqui estavam antes de qualquer colonização, e mesmo assim tiveram que lutar
para não serem escravizados, e até hoje não conseguem garantir sua existência
frente a grande pressão e violência dos latifundiários, donos de terras,
políticos entre outros. Decrete-se logo a extinção dos índios, que eles sejam
reduzidos a ilustração de livros de história, ou que sejam evangelizados,
urbanizados, higienizados, extirpados de sua cultura e urbanizados. E
não ter esses
direitos me parece muito justo, afinal de contas, quem acha que tem direitos
demais, não merece ter direito algum.
Não é hora de se importar com Chico Mendes, Doroty
Stang, entre outros que lutaram contra o desmatamento, pela reforma agrária,
pelo fim da exploração, pelo direito dos trabalhadores rurais, contra os grandes
latifundiários. A partir de agora a terra é única e exclusiva daqueles que são
herdeiros de quem se apossou de terras por meio da bala, pequenos produtores,
homens e mulheres sem-terra, e sem teto não devem requerer esse direito, por
que nós ainda vivemos nos tempos da lei do mais forte, de quem tem a arma, de
quem tem influencias, de quem explora a terra para lucros astronômicos, para
quem usa terras como especulação imobiliária. E não ter esses direitos
me parece muito justo, afinal de contas, quem acha que tem direitos demais, não
merece ter direito algum.
Não é hora de se importar com a diversidade nas
escolas, com os traumas, com a crueldade. A partir de agora tudo e todos que
forem diferentes dos padrões de normalidade estereotipados devem ser atacados,
humilhados, marginalizados, espancados, ofendidos, e nenhuma atitude por parte
dos professores e diretores devem ser tomadas, são apenas piadas, e ser
politicamente correto é muito chato para quem está dentro dos padrões e adora
demonstrar poder do alto de seus privilégios históricos. E não
ter direito
de reclamar me parece muito justo, afinal de contas, quem acha que tem direitos
demais, não merece ter direito algum.
Não é hora de se importar com as crianças e
adolescentes, nem com a exploração do trabalho infantil, nem com falta de
políticas públicas, nem com abusos, nem com processo de formação. A partir de
agora crianças e adolescentes devem ser tratados feito adultos formados, mesmo
não tendo formação devem cumprir os mesmos deveres, devem trabalhar ao invés de
estudar, não é prioridade estudar, podem começar no trabalho já aos quatro anos
de idade, que é para aprender como a vida é, devem ser punidos como os adultos,
devem ser colocados dentro do mesmo sistema carcerário falido que os adultos
frequentam, independente das oportunidades que essas crianças e adolescentes
tiveram, eles obviamente tinham várias opções de crescerem meninos de bem,
meninos e meninas honrados, prontos para alcançarem o mesmo sucesso de meninos
e meninas de classe média alta conseguem morando em seus apartamentos,
estudando em escolas particulares, fazendo várias viagens, se não tiverem é
simplesmente por que não querem. Ao invés de políticas públicas para resgatar
os jovens, políticos devem votar leis que reduzam a maioridade penal, quanto
antes preto e pobre ser tirado de circulação, melhor. E não
ter esses
direitos me parece muito justo, afinal de contas, quem acha que tem direitos
demais, não merece ter direito algum.
E por fim, não é hora de se importar com todos os
deficientes que morreram sem nunca serem apresentados a sociedade, por
vergonha, por serem marginalizados, demonizados, que por anos passaram
escondidos, sem usufruir dos mesmos direitos. A partir de agora acabemos com as
APAES, com as políticas de inclusão e de acessibilidade, que os deficientes
voltem para seus quartos fechados, escondidos, abandonados, sem direito a estudar,
sem direito a socializar, sem direito a viver. E não ter esses direitos
me parece muito justo, afinal de contas, quem acha que tem direitos demais, não
merece ter direito algum.
Os direitos humanos está atrapalhando o direito do
opressor, o direito do agressor, o direito do preconceituoso, o direito do
privilegiado, o direito do machista, o direito do latifundiário, o direito dos
heteronormativos, o direito do sinhozinho, o direito do dono da propriedade
privada e dos meios de produção, o direito dos patrões, o direito pelo discurso
de ódio, o direito aos espancamentos, aos assassinatos, aos extermínios, as
chibatadas. Os direitos humanos estão acabando com a supremacia branca,
heterossexual, patriarcal, monogâmica, misógina, poderosa, elitista que foi
conquistada a muito custo, muito suor, e muito sangue, de quem nunca deveria
ter direitos.
São direitos humanos demais!
E eu quero ainda mais!