Já passou algum tempo, desde a
ultima vez que me vi, e hoje não me reconheço entre as relações, e já não me
reconheço nas linhas escritas. Estranho que por um período as mesmas linhas definiam
meus traços e afagavam meus infortúnios, como um colo de mãe, como um ombro
amigo.
Hoje compartilho comigo mesmo
pensamentos difusos e embaralhados, que me lembram somente aquilo que já foi,
mas não delineiam uma espécie de futuro real, concreto. O hoje é uma pedra
enorme a beira de um abismo que se equilibra quase que contrariando as leis da
física. Pesada demais pra sair do lugar, insegura demais para se deixar cair na
imensidão.
Se deixar cair, ou manter-se
inanimado são questões estruturantes no que tange a auto percepção, um olhar a
si mesmo de fora do corpo, sem ser notado. Perceber-se enquanto protagonista de
sua própria história, torna-se frustrante, quando a normalidade cerceia as
possibilidades, tornando o todo uma pilha de estilhaços, impossíveis de
voltarem a ser, aquilo que já foram.
Ser o inteiro que eu sinto como
diria “O teatro Mágico” exigiria não só de mim, mas de todo o resto. E todo o
resto está tão despreparado quanto eu, pra compreender a totalidade. A
realidade esta sendo compreendida de modo fragmentado, numa série de factoides confusos,
misturado com um emaranhado de informações, opiniões e visões de mundo
distorcidas pelo modelo social construído historicamente.
Parafraseando novamente “O teatro
mágico”, o que eu tenho feito pra tentar ser ouvido, é justamente não dizer
nada, é deixar um pouco do silêncio dizer por mim, “Pra dizer às vezes, que às
vezes não digo”. Mas a maioria já perdeu qualquer sensibilidade de ler o outro,
de estudar e compreender o outro, e de certa forma, essa insensibilidade vem me
contagiando, como uma doença feroz que toma todo corpo, que afeta a alma, que
corrompe o coração.
O que reflete no outro é o
egoísmo exacerbado, um desejo insano de autoafirmação recorrente em todos os
meios. Todos estão esperando sua vez de expor fatidicamente suas neuroses, suas
crises, seus devaneios, em contrapartida se recusam previamente a ouvir tudo aquilo
que não seja sobre si mesmo.
Esse conjunto de
incompatibilidades com o resto do mundo me fixa ainda mais a beira do abismo, e
inerte, sinto o frio na barriga a cada vento que sopra me empurrando em direção
ao nada. O nada pode ser tanta coisa, como pode ser coisa alguma. Mas ao olhar
para trás, o lado oposto do abismo, o ponto estável do passado uma espécie de náusea
me tonteia, me deixa sem norte, e me faz ter cada vez menos desejo de falar.
No entanto, como diria Milton Nascimento
“Estou só e não resisto, muito tenho pra falar”, e todo esse falar vem inflando
no peito, seguido do medo e do desejo de voltar. Calar todas as angustias e todos
os anseios, quando já se calam tantas outras confusões, é como um injeção
letal, uma morte silenciosa, uma morte esperada, sem enterro nem nada.